domingo, 1 de novembro de 2009

SÓ-LILÓQUIO

Deixa, deixa eu te ver inteiro nem que seja só a parte que se solta sozinha e anda entre nós sem precisar pedir, vem, deixa que eu te dispo sem que você precise permitir, eu te desejo assim, sozinha, de um lado só, do lado mais bonito, do lado que me cabe eu me jogo assim em cima do seu corpo sem que você precise mover um músculo porque eu te amo e posso te possuir, assim inerte de todo desejo ou luxúria, não é necessário que me beijes, deixa que te percorro o corpo com a minha língua magna e farta, ela vale pelos teus lábios e pelos meus, ela se basta, o meu amor se basta, deixa que eu te penetro a carne dura e febril, e se não é do lado direito que seja do esquerdo, que não é o lado certo mas é aquele que a gente tem, que a gente sente, é por ele que entra a luz negra e pouco fértil das mágoas, se você já não tem vida que bebas a minha, que bebas dos meus seios todas as dores e as palavras que você não soube dizer, todos os poentes que passaram e que você não viu, eles não se repetem mas não tem nada não, porque eu vi e os transformei em gozo e letra, só é preciso agora que você me aceite assim de passo passivo e frio, mas me aceite como quem estivesse jorrando uma vida que não te pertence mais, mas pulsa no leite quente que brota de mim como se de ti viesse. Deixa...

PELE NOVA (DESCASCAR-SE)

Toda mudança é clara e bem vinda se não quiser tomar de mim algo que fui e que não dá mais pra ser, algo que me foge como quem de longe vê o caminho mas não consegue chegar lá. Eu chego. Devagar, de tanto vagar eu enxergo as brumas altas que estão na cara de todos os mortais, mas é preciso cegar-se por dentro para se enxergar, tudo é tão claro como a cegueira branca branda do Saramago, que me toma a alma e nem pede assim: deixa eu ficar, deixa, que estou longe e larga de casa. É uma pele nova que se solta de mim nem preciso descascar-me, é tão fácil, vem de leve logrando-se enlameada de mim, como de noite achegar-se num ombro que não veio, mas eu vejo, porque me cega a alma esta clareza de tudo, este desejo profético de ver o belo onde ele se encalacra, e se perde, se entoca como rato em toca de bandido, encarcerado como loucos em seus retumbantes manicômios.