quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

CAIXA


Escrevo pela possibilidade de abrir uma caixa em lugar onde seja terminantemente proibido guardar. Não se guarda papel de presente amassado, embalagem de bombom, fotos antigas... A decoração é sempre clean. Não há espaço para fundos de gaveta nem lembranças de viagem. O escritor mais lido não tem livros em suas estantes. Há arquivos no computador, mas estão quase sempre na mira da perdição. Uma pane no HD e adeus memória, foto, registro e tudo o mais. Mesmo assim, eu abro a caixa. Nem sei direito o que de lá se dá ao direito de sair, mas abro assim mesmo. Quem me acompanha?

sábado, 7 de setembro de 2013

SEXO VERBAL


Ele não saía há tempos de perto dela. Há muito não sabia o que significava sair com amigos, almoçar em família ou coisas do gênero. Namoro assim não vai para frente, dizia a mãe. Grude demais, dizia a irmã, mas qualquer tempo era suficiente para sentir a pele dela na dele, todo tempo era pouco para experimentar aquele corpo que o seduzia nu, quase todos os dias. Ali, apertadinhos no quarto dele, não havia mais nada a precisar. Foi assim que ele decidiu de repente que iria passar uns tempos na casa de uns amigos. Deste jeito. Queria testar o amor dela? Quem sabe. Outras experiências? Talvez. Começou sua peregrinação na tela do facebook. Mandou mensagem dizendo que a relação estava desgastada. Meio que de brincadeira, mas decidiu excluir os códigos típicos deste tipo de escrita. Precisava manter espaço para as ambiguidades. E se ela acreditasse mesmo? Haveria tempo de retomar o perdido? Ele arriscou. Aproveitou para conversar com outras meninas por webcam enquanto fingia que ignorava o choro dela. Mas e daí? Como sentir a lágrima que não viu cair? Como comover-se com um tremor de voz que não ouviu? Aproveitou a falta de linguagem não-verbal para ver até onde iriam. Não muito longe. Ela apontou desespero escrito, ele ignorou. Mais tarde a necessidade de ouvir a voz, de confirmar o tal desgaste se anunciou. Ela ligou, ele disfarçou, mas dali a pouco o que parecia fácil quando era letra sem voz, ganhou corpo de som. Passaram a tarde se amando via celular. Sexo verbal não faz meu estilo, ele disse. Ela concordou.



segunda-feira, 1 de julho de 2013

Perdoando o adeus

CORDA



Escolhi andar na corda. Até que me equilibrava bem, a falta daquela palavra sempre me sustentou. Viradas de calcanhar e titubeios faziam parte. Nunca reclamei. Mas agora a tal palavra que sempre faltou saiu do silêncio onde sempre morou e o foi além do falsear. Não acreditei. Achei que não havia ouvido direito e pisei fundo, firme. Foi então que eu caí. E neste espaço entre a corda e o chão, quando o vento me corre a pele de leve às vezes, às vezes impetuoso, aproveito para pensar se ainda quero corda, se não prefiro ponte de madeira, passarela de concreto... do outro lado talvez as portas estivessem todas abertas, quem sabe? O fato é que ainda não cheguei ao chão. Há tempo para que decidas se colocas ou não a rede embaixo. No meio do caminho me aparecem balões de gás hélio, cipós, teias de aranha, galhos, escadas de emergência; mas a rede, a rede que me salvará tu podes colocar no lugar. O ar me entra boca adentro. Vejo-te assistindo a cena de um andaime, do outro lado. Teu olhar tranqüilo me anuncia que preparaste a minha cama. Encheste a bolha de sabão que me en-caminhará de volta à corda. Velocidade mais alta, olhos ardem e... agarro a teia.

domingo, 16 de junho de 2013

ENTREATOS

Inventei que conversava contigo mas não sei se você respondia ou não. Acho que não. E tomando banho, lembrei de ligar para saber como você estava. havia me esquecido que você estava bem, mas eu não precisava (ou não podia) ligar. A água muito quente, assim como as tuas palavras, foi me percorrendo a alma. Realizei que minha religião não permite estas conversas, mas eu ando doida de vontade de conversar contigo. Espero que você me chame durante a noite, que me puxe as cobertas. Eu, que sempre tive tanto medo... Metade deles foi você que me ajudou a vencer, mais esse... não temos estes contatos. Devo confessar ao padre estes desvarios?  Quero ouvir de novo você contar como foi a festa de sete anos da Luanda sob as tábuas da Sala Crismaran... e as tuas aulas com Maria Clara Machado? Quisera eu ouvir  de novo, sentada no chão, descalça tuas histórias, repetidamente e sucessivamente, sem intervalo entreatos.

CORAÇÃO ENXUTO

 

escrevi antes que o amor é óbvio, mas não me parece tão óbvio assim e construo uma teia novamente, não vinda do mesmo vento, mas de outro lado, de outro ventre, é o sopro da saudade que queima e nutre a cada dia uma ponta de ausência que não quer  cessar de doer, não procuro mais retirá-la, ela meio que se instalou e mudou de vez pra minha alma assim como quem invade, sem permissão, sem anunciação, sem nada, ficando. não me dou ao luxo de perguntar por que, não posso, baixo o olhar e me vem as tábuas frias da sua  sala de sonho, que de duras não tinham nada, eram  amolecidas de todo como o teu coração enxuto, que carrega tudo tão em perfeito equilíbrio que até parece mentira se tratar de gente humana. Uma ponta de serenidade e inquietude, na mesma proporção, guardados para o uso em momento oportuno. Como podia você saber tão bem quando lançar mão de cada um assim tão naturalmente, como mãe sabe o que significa cada choro do filho? Como podia você saber distinguir quando uma gargalhada escondia angústia ou era gargalhada mesmo

SEU NOME


Descobri a forma e pensei a maneira mais exata de usá-lo, o finíssimo arame grudado em brasão prateado. Difícil saber seu nome,   não nos servimos dele em tempos de consumo descartável, e nas indústrias deve haver algo mais moderno e prático. No entanto, intriga-me as sinapses. Fitando-lhe o corpo, decido que ele merece nome pomposo. Guardei-o longe das vistas  de quem quer que fosse, o privei de descasar-se pelo suor dos dedos calejados ou suaves de uma dama de unhas feitas, esculpidas em vermelho, e devia mesmo estar longe das crianças, na possibilidade que o engulam. Leve demais, flutuaria nas tramas do intestino até a água final. Minha avó talvez o guardasse entre dedais, agulhas, ovos e arcos de madeira. Eis que o descubro, losango fino e flexível, de igual movimento e ternura, mas sem as carnes tenras que recebem as águas turvas do amor. Passada a linha, volta à gaveta de onde nunca deveria ter saído. Enclausurado, o brilho jubiloso não mais lembrará do que pode e deve, ser esquecido.

(22/03/2013)


sábado, 2 de fevereiro de 2013

Festa boa

Antigamente eu gostava de festas muito arrumadas, super produzidas,  comida e bebida em abundância, decoração impecável, som profissional, animação, etc. Hoje em dia uma boa festa, pra mim, passa bem longe disso. Comecei a perceber, convivendo com amigos maravilhosos, que festa é muito mais do que um dinheiro bem gasto, é uma desculpa sensacional para reunir aqueles que amamos, ou que são importantes pra nós. Festa boa, pra mim, hoje, é quando os convidados se sentem à vontade para pegar uma bebida no freezer, invadem a cozinha e pegam uma bandeja para ajudar a servir, fazem uma vaquinha para comprar o refri que acabou, chegam mais cedo para ajudar a arrumar, assumem papel de fotógrafo, de animador, se esforçam para enturmar os grupos diferentes, trazem um prato pra reforçar o cardápio e se acotovelam na cozinha numa conversa gostosa. Festa boa termina com um achegar dos mais íntimos depois que o restante foi embora, e sobra amigo pra ajudar a arrumar tudo e depois dormir na sala. Infelizmente, quem tem uma melhor condição financeira não costuma usufruir deste privilégio. Você nunca sabe se o fulano gosta mesmo de você ou veio só para aproveitar a “boca livre”. Meus superamigos fazem festas praticamente sem gastos, somente com a colaboração de quem os ama. E quando alguém ao meu lado reclama, eu tenho orgulho de dizer que estou amando, porque festa boa é assim, falta tudo, menos alegria e muita, muita vontade de ficar junto. Fui! Planejo mais uma festinha a baixo custo, somente para quem me ama...