Hoje é vinte e três, véspera da véspera de Natal. E como dizem as boas
línguas, o melhor da festa é esperar por ela. Eu sempre passei por este
dia rememorando outro 23 de dezembro, quando meus avós maternos ainda eram
vivos. Com os paternos convivi pouco, eles morreram cedo. Fiquei só com as
histórias, que meu pai conta até hoje. Neste dia 23 a casa estava cheia, embora
a grana fosse curta. O quintal era uma festa de primos, todos correndo em volta
do canteiro. O cardápio ficou a cargo da minha mãe. Era sardinha frita. (Ela
dizia sempre que comeu muita sardinha quando grávida de mim, por isso nasci tão
inteligente). As frituras eram raras na casa da minha vó Maria. Naquele dia não
aconteceu nada assim tão extraordinário, nada de tão especial. Ouvíamos música,
brincávamos... As mulheres se acotovelavam na cozinha... nada que merecesse uma
manchete de jornal. O fato sobrenatural estava, definitivamente, dentro de nós.
domingo, 28 de dezembro de 2014
BEBER SAUDADE
Faz apenas um mês hoje. O trabalho, a correria dos preparativos para
as festas... tudo isso nos distrai. Mas à noite, quando todos já foram dormir,
é a hora de (emprestando as palavras de Camila Prietos) beber saudade. A hora
em que a sala se enche de vazios. A hora em que a tua imagem invade o quarto escuro.
E eu reconto as tuas histórias, todas elas sempre cheirando a café. A mesa da
tarde posta só até a metade dizendo que era para poucos, somente para os
privilegiados que tinham o deleite da sua presença todos os dias. Eu quero re-escrever
aquele poema "Pó de saudade"(Preciso encontrá-lo!). Preciso dele agora! E quando
eu der de beber saudade não terei medo da embriaguez. (Ou devo ter?) Vou pensar
que estarei de novo acariciando teus cabelinhos grisalhos. Vou pensar que
estarei de novo a esperar a novela das seis contigo. Vou pensar que estarei de
novo esperando teus chás e compressas quentes na hora da dor... Quando se bebe
saudade não há limites. Eu revivo o que eu precisar reviver. Será que eu posso,
vó?
FOLHA NOVA
Escrever um livro é
como gerar um filho. Primeiro a gente deseja, espera, anuncia. Só depois gesta.
E este construir dentro da gente não é nada fácil. É uma tarefa sofrida deixar
brotar de dentro de nós a palavra dura e ficar acrescentando água até ela ficar
molenga e instalar-se inteira, tomando a forma de letra na página branca.
Ninguém disse que seria fácil. Inclui apagar, revisar, dar para o colega ler, digitar,
ajeitar na folha, ler em voz alta pra testar o som da palavra, e depois voltar,
apagar de novo, e voltar, ler de novo... E depois desta luta de vir a ser, os
textos se colam um no outro feito luva na mão e tomam a unidade de obra. Mas
após assumir a ideia de ser livro ele precisa se fazer objeto concreto na mão
do leitor. E aí travamos uma outra luta. Arrecadar dinheiro, fazer a capa,
negociar com a editora, discutir prazos e preços. É a parte prática de ser
livro. Mas no final disso tudo... Ele se encontra ali, na nossa mão, enquanto
folha nova que brota da árvore... É um momento mágico. Como aquele em que a mãe
fita pela primeira vez o seu rebento e não consegue segurar a emoção.
domingo, 20 de julho de 2014
MAIS DO QUE UMA SIMPLES CURTIDA
Amigos são muito mais do que aquele número que
você tem na sua página do Facebook. Mais do que um conjunto de fotos curtidas.
Mais do que aqueles muitos comentários quando você publica uma foto nova. Mais
do que inúmeras mensagens que deixam na sua linha do tempo no dia do seu
aniversário. O verdadeiro amigo é analógico, não digital. É aquele que, mesmo
um usuário frequente da tecnologia, prefere te ver no dia do aniversário, te
liga quando teu filho cai doente, te abraça na hora da perda e não precisa de
cerimônia pra entrar na tua casa. Vale a pena tê-lo na agenda do seu celular,
ou melhor, vale a pena guardar seu número na agenda da memória, de cor, vale um
espaço no chip e outro no coração. Neste dia do amigo eu desejo que você
consiga transformar (não digo todos) os seus amigos virtuais em amigos de
verdade, daqueles que valem mais do que apenas uma curtida.
terça-feira, 8 de julho de 2014
AS GUARDADAS
Ele tinha um lugar especial para guardá-las.
Ninguém mexia. Escondido. Era seu esconderijo secreto.. Às vezes escolhia as
mais bonitas e coloridas para serem levadas a passeio. Desvendava-lhes os
códigos e aparava as arestas. E tchau, não olhava mais para a cara delas. Fim.
As guardadas também não procurava muito. Elas lhe faziam mal. Era melhor
passear com os filhos no parque. Elas não ligavam mais, pois não tinha mais
telefone. Aparelho inoportuno! A mulher achou esquisita aquela decisão, mas
respeitou. Ele só não contava que dentre os achados e perdidos as tais fossem
resgatadas logo por quem. Abriu a porta quando marido não estava em casa
e finalmente as encontrou. Estavam todas lá, imóveis. A maioria branca porque
nas coloridas ele já tinha dado fim. Ela
não acreditou. Fez as malas e colocou na porta. Assim já era demais. Escondê-las
todas, assim, sem piedade? Qualquer mulher jamais perdoaria! Imaginou que a
sogra era cúmplice. Como só ela não pôde perceber? Levou-as para fora. Sem dó
lhes banhou a álcool e ateou fogo. Só restaram cinzas. De algumas ela ainda
ousou fitar-lhe as bordas e encontrou a data de vencimento: dezembro do ano
passado. Era o fim da picada.
sexta-feira, 4 de julho de 2014
PELO DIREITO DE CHORAR
Cocktail Party
Não
tenho vergonha de dizer que estou triste,
Não
dessa tristeza ignominiosa dos que, em vez de se matarem, fazem poemas:
Estou
triste por que vocês são burros e feios
E
não morrem nunca...
Minha
alma assenta-se no cordão da calçada
E
chora,
Olhando
as poças barrentas que a chuva deixou.
Eu
sigo adiante. Misturo-me a vocês. Acho vocês uns amores.
Na
minha cara há um vasto sorriso pintado a vermelhão.
E
trocamos brindes,
Acreditamos
em tudo o que vem nos jornais.
Somos
democratas e escravocratas.
Nossas
almas? Sei lá!
Mas
como são belos os filmes coloridos! (Ainda mais os de assuntos bíblicos...)
Desce
o crepúsculo
E,
quando a primeira estrelinha ia refletir-se em todas as poças d'água,
Acenderam-se
de súbito os postes de iluminação!
Outro dia alguém publicou nas
redes sociais uma lista de coisas
maravilhosas e uma delas era: “Não lembrar a última vez que chorou”. Achei
péssimo. Como alguém pretende viver com um mínimo de humanidade se não lembra a
última vez que chorou? Eu lembro. Foi ontem. E não me acho a última das
criaturas por isso, muito pelo contrário. Chorar faz parte da natureza humana.
Se choro é porque sou transparente, sincera e corajosa, não sou
hipócrita de ficar o tempo dizendo que estou transbordando de felicidade quando
não estou. Choro na frente das minhas filhas, sempre, sem medo de demonstrar
fraqueza, e daí? Quem nunca foi fraco? Todo mundo posta que está sempre feliz
na rede, que é forte, otimista cem por cento, tudo bem. Mas eu não acredito neles.
Quem nunca escutou esta pérola? ”Todo mundo tem problemas, precisa ver minha
colega, consegue falar disso sempre rindo.” Não admiro nem um pouco este tipo
de pessoa, é muito mais humano mostrar que você chora, que sabe aceitar o luto
para que possa depois viver a alegria, só que uma alegria inteira, de verdade.
Que sociedade é essa que só valoriza o sorriso? Eu agradeço a Deus todas as
vezes que chorei, pois me sinto mais GENTE quando faço isso...Deve ser
problemático alguém que não consegue chorar. Não é da natureza humana. Mas as
pessoas não querem mais perder tempo consolando amigos, então condenam toda a
espécie de sofrimento. Falta paciência em escutar, tempo pra telefonar (melhor
postar um comentário), disposição para ajudar e coragem de admitir que também
sofre. Se no momento mais importante eu não falei pessoalmente, é porque não
sou amigo. Recadinho pela internet nunca vai substituir aquele amigo que liga,
que ajuda, que se preocupa, que não acha bobeira o que você está passando. E
daí que os outros têm problemas maiores? Eu levanto esta bandeira: Quero ter o
direito de chorar!
quarta-feira, 11 de junho de 2014
INFINITIVO PLURAL
Deitar-te no meu colo como
se fosse a última coisa possível, provável, imaginável. Chegar-te tão perto
como se o longe parasse e rígido ficasse, dissolvido na névoa branca do tempo.
Descrever-te como quem, cego, precisa do guiar do som e do tato. Cantar-te como
se as mais finas penugens em notas se transfigurassem na dura pena da proximidade da morte. Enluarar-te como
quem sopra frio vento e, ao relento, finge que não vê o sol levantar. Vestir-te
de nudez a cada palmo, cobrindo a bruma com a ponta do lençol. Caber-te na casa
lenta do botão despregado de sutiãs e seios. Suar-te como a água doce que, descendo
do corpo, corre na despertança da manhã. Pentear-te de fio a pavio, de onda,
sem pressa, sem rua, sem qualquer abrir de janelas, tal qual Bentinho e Capitu.
Calar-te a dedos enredantes, sisudo mas quente como brasa ofuscarada. Nortear-te
a rosas brisas e enleios, sem rumo ou traço de areia, seco e leve. Medir-te
completo e exato, derretendo a régua reta da planta do pé. E, por fim,
despir-te em veste de pele, completando a letra que falta com palavra: cheio, meio
a meio, metade meu, metade teu, sem denominador comum. Apossar-te de mim,
tomando à força a fração (justa) que me cabe.
domingo, 23 de março de 2014
PALCO E PLATEIA
A brincadeira virou objeto de
estudo no trabalho e constatei, não sei se triste ou feliz, que fui uma
criança-espectadora. Os colegas relatam contentes suas infâncias de pés descalços,
subidas em árvores, elásticos e queimada nas calçadas até que os chamassem para
se lavar e jantar. Eu não precisava que ninguém gritasse meu nome ou me botasse
para dentro. Eu já estava lá. Lendo, imaginando, enfileirando as bonecas e
dramatizando o meu estar-lá-fora. Eu não me aventurava. Era uma criança de “assistimentos”.
Uma criança que imaginava, uma pré-adolescente que lia _às vezes mais de um
romance por dia - e, na juventude, fazia-me de cupido para as amigas. Sempre
espectadora, escrava do medo que me
aprisionava às letras. Lendo, eu poderia ser quem quer que fosse. Escrevendo
também. Comprei a minha liberdade com o bilhete que me dava cadeira para
assistir minha própria vida. Encenei. Hoje, quando falo em público, mal
acredito que quem esteja lá seja mesmo eu. Subo no palco. Mas na plateia, ainda vejo,
na última fila, a imagem de mim mesma. Sentada, assistindo, espectadora do meu
próprio milagre.
sábado, 8 de março de 2014
Ser mais mulher...
quinta-feira, 23 de janeiro de 2014
SÓ OS LOUCOS CONTAM ESTRELAS
sábado, 4 de janeiro de 2014
AMANDAS
Ela tinha suas esquisitices. Boca nua, lábios crus e palavra gasta. Nunca soube quem gostasse. Embora a moda fosse bolo sem confeitar a pedra esculpida sempre levara mais jeito. E a carcaça sempre cheirou mal ao contrário da carne viva. Ela sempre foi assim. Mas como as temperaturas sobem a cinquenta, os ânimos também avalancam-se entre as ancas de quem te pariu mas hoje nem sabe por onde andas. Amandas. Era uma e súbitas muitas que acotovelavam-se na cútis molenga e desvairada como sempre fora. Mas os planos de celular sempre cobrem todos os serviços e agora não há quem leve susto na conta mas ela leva mesmo assim para que não perca o costume de acostumar-se com algo assim que parece fugidio (por que sempre escrevo esta palavra?) mas na verdade já foi, jogou o chip fora, mudou de número, de operadora e esqueceu completamente de propósito que existia portabilidade. Deve ser porque Amandas sempre odiou tecnologia, pois por causa dela tinha de abandonar seu walkman, desfazer-se de seu carro que já era da família (tinha até apelido) e sacrificar seu cachorro porque estava doente e este mundo não suporta os doentes, gordos, feios, esquisitos, os não- consumistas, os não-felizes do facebook ... Este mundo não suporta gente, a de verdade. Esquisitices à parte, amands ( assim mesmo, minusculizada e abreviada) escreve cartas à mão, não ouve mais o Jorge, parou com a dieta da proteína, ainda teima em telefonar para os amigos no dia do aniversário, lembra de cor o número da mãe, sonha com paninhos de crochê na mesinha de centro (passou a odiar a moda clean) coleciona jornal velho com matéria re-lida e tem medo de dormir sozinha no escuro. Ali-menta-da, ela morre de fome.
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