quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

SÓ OS LOUCOS CONTAM ESTRELAS



Não sou e nem nunca fui perfeita, mas pelo menos não fico ameaçando o tempo todo, nem ele mesmo aceitaria este tipo de comportamento se viesse de mim. Por que faz comigo o que detesta que façam com ele? Se preciso fazer tarefas domésticas para usufruir da presença dele então é melhor que eu sozinha. É largo o caminho das distâncias e o percorrido fica gravado na CPU da mente, mas a gente acessa se quiser. E todos os sacrifícios que faço para o bem de todos? Não valem de nada? Esperar reconhecimento não é tarefa das mais agradáveis. Luzia chega esta manhã e a casa nem arrumada está, ele disse. Eu nada falei, pois arrumado está o meu coração que a-cor-dou louco de saudade dos passeios no Centro da cidade às altas da noite. Podemos contar as estrelas, perguntei. Ele respondeu que os loucos contam estrelas e que eu fizesse o mais rápido possível a lista do supermercado. Não fiz. Preferi desfiar palavras a gosto do tempo. Antes de ouvir que eu não prestava pra nada decidi trancar os olhos a boca a língua e tudo o mais. Luzia chegaria esta manhã e eu, como a poesia, poderia prestar para o lixo, mas mesmo assim catarei teimosa as fagulhas da lua. Exatamente assim, como os loucos e fétidos fazem.

sábado, 4 de janeiro de 2014

AMANDAS

Ela tinha suas esquisitices. Boca nua, lábios crus e palavra gasta. Nunca soube quem gostasse. Embora a moda fosse bolo sem confeitar a pedra esculpida sempre levara mais jeito. E a carcaça sempre cheirou mal ao contrário da carne viva. Ela sempre foi assim. Mas como as temperaturas sobem a cinquenta, os ânimos também avalancam-se entre as ancas de quem te pariu mas hoje nem sabe por onde andas. Amandas. Era uma e súbitas muitas que acotovelavam-se na cútis molenga e desvairada como sempre fora. Mas os planos de celular sempre cobrem todos os serviços e agora não há quem leve susto na conta mas ela leva mesmo assim para que não perca o costume de acostumar-se com algo assim que parece fugidio (por que sempre escrevo esta palavra?) mas na verdade já foi, jogou o chip fora, mudou de número, de operadora e esqueceu completamente de propósito que existia portabilidade. Deve ser porque Amandas sempre odiou tecnologia, pois por causa dela tinha de abandonar seu walkman, desfazer-se de seu carro que já era da família (tinha até apelido) e sacrificar seu cachorro porque estava doente e este mundo não suporta os doentes, gordos, feios, esquisitos, os não- consumistas, os não-felizes do facebook ... Este mundo não suporta gente, a de verdade. Esquisitices à parte, amands ( assim mesmo, minusculizada e abreviada) escreve cartas à mão, não ouve mais o Jorge, parou com a dieta da proteína, ainda teima em telefonar para os amigos no dia do aniversário, lembra de cor o número da mãe, sonha com paninhos de crochê na mesinha de centro (passou a odiar a moda clean) coleciona jornal velho com matéria re-lida e tem medo de dormir sozinha no escuro. Ali-menta-da, ela morre de fome.